Reforma tributária dá os primeiros passos rumo à transição em 2026
- Secretaria Executiva
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O primeiro dia de 2026 pode parar nos livros de história: parte dos brasileiros estarão, pela primeira vez, otimistas ao pagar um novo imposto. Passo inicial da reforma tributária, o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), que substituirá o ICMS estadual e o ISS municipal, começa a ser cobrado em uma alíquota mínima de 0,1%, junto a uma Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) de 0,9%. Esse momento de teste precede mudanças colossais no “manicômio tributário” brasileiro: em dois anos, PIS e Cofins estarão extintos, o CBS estará em pleno vigor junto a um imposto seletivo e o IPI reduzido a zero. Em 2033, só haverá IBS e CBS.
Na teoria, a mudança pode trazer uma revolução para o país. O governo trabalha com um crescimento adicional da economia de 12% a 20% em 15 anos — hoje, algo como R$ 1,2 trilhão a mais — além de um estímulo à reindustrialização e à igualdade federativa no país. Secretário responsável pela reforma tributária, o economista Bernard Appy aponta que setores críticos, como o de infraestrutura, serão fortemente beneficiados.
“Se o serviço [de infraestrutura] for prestado a ente privado, a empresa recupera integralmente o crédito imediatamente. Se for para ente do poder público, o adquirente fica com todo o IBS e CBS incidentes sobre aquela aquisição”, disse, durante evento promovido em agosto pelo Sindicato Nacional da Indústria da Construção Pesada-Infraestrutura (Sinicon) e pelo escritório Menndel e Melo Advocacia. “Na prática, significa desonerar aquela obra.” Com a missão cumprida, a sua secretaria deve deixar de existir ainda em 2025.
Na prática, no entanto, ainda pairam dúvidas sobre como a reforma, a mais ambiciosa da história, dar-se-á nos próximos anos. “A preocupação das empresas, hoje, é sobre como se dará essa transição entre os tributos antigos e os novos, e como se dará essa convivência entre essas duas categorias”, disse Leonardo Branco, sócio do Daniel, Diniz e Branco Advocacia Tributária e Aduaneira.

Resolver o cipoal tributário brasileiro era urgente e seu início é celebrado, mas não será nada fácil: a falta de definição sobre alíquotas do CBS e do IBS deixa apreensivas empresas que operam em setores complexos, como o bancário, que ainda não sabem onde seus serviços online serão tributados (uma vez que a agência, seu ponto físico, é cada vez mais uma coisa do passado). “É muito difícil, porque é linha a linha de receitas e serviços”, disse a superintendente executiva de gestão fiscal do Santander Brasil, Rosana Jayme, durante evento da Aliança de Advocacia Empresarial em agosto de 2025.
Para empresas de setores específicos, como o de comércio exterior, ainda não se sabe muito bem o que ocorrerá com os benefícios de ICMS. Apesar de ser um dos últimos a serem extintos, os benefícios ligados ao imposto estadual estão no centro da estrutura de funcionamento desses contribuintes.
Há a previsão de que o Fundo de Compensação de Benefícios Fiscais neutralize as perdas desses benefícios, em um volume que chegará ao pico de R$ 32 bilhões em 2028, cessando totalmente em 2033. Esse valor será gerido por um segundo mistério da reforma: o comitê gestor do IBS, um corpo de 54 representantes de estados (27), grandes municípios (13) e pequenos municípios (14) que definirão as diretrizes tributárias.
Até o fechamento desta edição do Anuário da Justiça, em outubro de 2025, a sua regulamentação era discutida nas comissões do Senado Federal. Seriam mais de 2.000 técnicos federais, estaduais e municipais trabalhando para colocar o novo sistema de pé até a data prevista.
Em uma das audiências sobre o tema no Poder Legislativo, o professor da PUC-SP Tácio Lacerda Gama chamou a questão de uma “batata quente”. Já Carolina Vasques, do projeto Mulheres no Tributário, alertou que o imposto é um custo para as empresas, e que mantê-lo em suspenso pode causar mais problemas que a solução prometida. “Precisamos viabilizar a compensação para não inviabilizar a atividade econômica de diversos setores.”
Outra função desse comitê será a de definir a jurisprudência do IBS — o que alimenta os riscos de competição com o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), que já tem uma centenária estrutura de julgamento tributário.
“O Carf faz, hoje, controle de legalidade”, resume Leonardo Branco. Isso significa que, caso a Receita Federal edite uma instrução normativa ilegal, o Conselho pode derrubá-la. “Ao criar outro sistema de julgamento [pela Reforma Tributária], não haverá mais controle de legalidade. Haverá dois critérios de julgamento que funcionarão em paralelo e que poderão ser harmonizados em um comitê, como o Confaz”, entende o advogado tributarista.
Essa divisão pode gerar uma situação absurda: o mesmo contribuinte pode ser autuado, pelo mesmo fato gerador, por questões relativas ao IBS e ao CBS. No Carf, órgão ligado ao Ministério da Fazenda, pode ter uma decisão e, no comitê gestor, justamente o contrário. A maneira de lidar com esse débito tributário também é distinta. A saída parece óbvia: mais casos no Poder Judiciário.
Foi apenas em 2025 que essa brecha acendeu uma luz de alerta na Justiça brasileira. A 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, especializada em Direito Público, apresentou um relatório onde projeta um aumento de 35% na litigância tributária. De acordo com o site Jota, a corte estima ao menos 28 mil novos casos de IBS e CBS, um aumento de dez mil casos distribuídos.
Já o Conselho Nacional de Justiça tem anteprojeto de criação de um tribunal misto dentro da reforma tributária, destinado a julgar o IBS e o CBS. Todo o seu funcionamento seria virtual, com duas instâncias e membros tanto da Justiça Estadual quanto da Federal.
Como a reforma tributária ainda não entrou em vigor, as demandas das empresas estão apenas no campo consultivo. No entanto, o relógio não para e, a partir do primeiro minuto do primeiro dia de 2026, o consultivo fatalmente virará um contencioso tributário. Está na mão das autoridades legislativas, judiciais e administrativas brasileiras medir o tamanho dessa briga.
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Fonte: conjur.com.br Matéria de : Gui Mendes, repórter do Anuário da Justiça







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