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Caducidade nos contratos de concessão

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    Secretaria Executiva
  • há 16 horas
  • 6 min de leitura

Não é novidade que os contratos de concessão de serviços públicos se mostraram uma opção de política pública exitosa seja do ponto de vista da eficiência, seja do ponto de vista do aumento da potencialidade do investimento em diversas áreas, em especial na de infraestrutura, liberando o Poder Público para concentrar seus esforços e recursos nas suas atividades primárias.


Naturalmente no mundo globalizado e extremamente competitivo o desenvolvimento de um país está cada vez mais atrelado à capacidade do governo em dar segurança jurídica para a atração de grandes fundos de investimento para fazer frente aos recursos exigidos nesses contratos de concessão em infraestrutura, com previsão de longa duração.


Nessa perspectiva, para garantir um projeto de sucesso e a atração do investidor é fundamental uma boa estruturação do contrato, a adequada alocação de riscos e definição clara de responsabilidades e parâmetros de responsabilização.



Sem dúvida, um dos grandes riscos dos contratos de concessão, senão o maior deles, diz respeito à aplicação de penalidades por parte do Poder Público que possam levar à extinção do próprio contrato de concessão, acarretando não só a frustração da perspectiva de obtenção de resultados positivos, como também a geração de grandes prejuízos.


Dentre as penalidades, a caducidade é medida extrema que importa no encerramento prematuro do contrato de concessão motivado necessariamente por descumprimentos contratuais graves por parte do concessionário, na definição de Diogo de Figueiredo Moreira Neto[1]:


“Caducidade é a extinção do contrato durante a sua vigência, decretada por ato administrativo vinculado da administração, motivado necessariamente por uma falta grave, que tenha sido legal ou contratualmente prevista, e cometida pelo concessionário. Esta modalidade vinculada e executória, denominada de caducidade, ou de rescisão administrativa, de competência do Poder Concedente, é a que mais interessa aos estudos de Direito Administrativo, por se tratar, indubitavelmente, de medida drástica, com profundas repercussões para o concessionário, que pode sofrer graves prejuízos materiais e morais; para a Administração, que deverá promover a continuação do serviço a todo custo, e, não menos grave, para os usuários, que poderão sofrer a consequência de eventuais transtornos e paralisações".


Por isso mesmo é assente que a aplicação da caducidade com o rompimento abruto do contrato deve ser reservada a casos extremos em que inexista instrumento alternativo para a continuidade do contrato, afinal, sua imposição representa inequívocos ônus para os envolvidos: concedente, concessionário e, sobretudo, à coletividade.


As hipóteses de extinção do contrato por aplicação da pena de caducidade estão elencadas no § 1º do artigo 38 da Lei 8.987/95, mas não basta apenas a ocorrência de uma dessas hipóteses é necessário também uma análise de custo-benefício entre a continuidade do contrato e a sua rescisão, devendo ser devidamente justificada a conveniência e oportunidade para o interesse público na aplicação da penalidade rescisória e na consequente extinção do contrato.


Observaremos a hipótese prevista no inc. V do § 1º do art. 38 da Lei 8.987/95, na qual é possível a decretação da caducidade quando “a concessionária não cumprir as penalidades impostas por infrações, nos devidos prazos”.


A primeira crítica se relaciona com a redação do dispositivo legal, que por ser bastante aberta poderia ensejar um indesejável alto grau de discricionariedade do gestor público. Além disso, a utilização dessa hipótese sem critério definido pode gerar decisões desarrazoadas, desproporcionais e não isonômicas, permitindo ao gestor promover uma perseguição a determinado concessionário que tenha algum grau de inadimplemento das penalidades impostas.


O § 3º do mesmo dispositivo prevê prazo de cura, no qual é facultado ao concessionário corrigir as falhas e transgressões, como condição de validade para a decretação de caducidade. Assim, deverá o poder público antes da decretação de caducidade por descumprimentos de penalidades já lançadas, conceder prazo para a concessionária regularizar sua situação, procedendo ao pagamento das multas já definitivamente aplicadas no âmbito administrativo, sob pena de aplicação da caducidade.


Nesse sentido, a interpretação e aplicação dos dois comandos normativos de forma isolada transforma a caducidade como um meio coercitivo para a cobrança das multas já lançadas, no estilo “ou paga o que entendemos devido no prazo estipulado ou irá perder o contrato”.


No entanto, a jurisprudência veda a possibilidade de a Administração Pública impor sanções administrativas como meio para cobrança de seus débitos, uma vez que para esse fim, dispõe de outros meios legais, como a própria execução fiscal, não se afigurando válida a limitação de direitos do administrado.[2]


Igualmente o Supremo Tribunal Federal (STF) editou diversas súmulas que comungam desse entendimento em situações análogas: (i) Súmula 70: “É inadmissível a interdição de estabelecimento como meio coercitivo para cobrança de tributo”; (ii) Súmula 323: “É inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributos”; e (iii) Súmula 547: “Não é lícito à autoridade proibir que o contribuinte em débito adquira estampilhas, despache mercadorias e exerça suas atividades profissionais”.


Assim, fica evidente que no juízo de ponderação entre os interesses envolvidos, o STF privilegiou, em consonância com a ordem econômica e financeira concebida na Constituição Federal de 1988, o Princípio da Livre Iniciativa em detrimento dos interesses meramente arrecadatórios da Administração Pública.


Portanto, a decretação de caducidade pelo órgão público como medida coercitiva para satisfação dos seus créditos revela-se absolutamente ilegal – mormente quando a Administração Pública dispõe de meios aptos, adequados e legais para tal fim, como o ajuizamento de execuções fiscais, o acionamento do seguro garantia contratual, dentre outras medidas.


Ademais, ao assim proceder a Administração tolhe do concessionário o seu direito de discutir a legalidade da aplicação das multas que lhe foram impostas administrativamente perante o Poder Judiciário, ferindo de morte o seu direito constitucional ao acesso à Justiça, previsto no art. 5º, inciso XXXV da Constituição Federal de 1988.


Medidas como estas se revestem de desmedida coercitividade, visto que implicam indevida restrição ao direito de exercer atividade econômica, assegurado pelo art. 170, parágrafo único, da Constituição Federal. Afinal, caso efetivada a decretação da caducidade, a exploração da atividade econômica ficará totalmente obstaculizada.


Nas palavras de Marçal Justen Filho[3] “a caducidade destina-se a punir o concessionário, mas essa é uma finalidade acessória. Sua finalidade principal é assegurar a prestação de um serviço público adequado o que não se afigura possível numa situação concreta em virtude da atuação defeituosa do concessionário".


Deste modo, não basta o simples inadimplemento de penalidades que tenham sido lançadas, é imprescindível demonstrar que a caducidade configura o instrumento ideal para a garantia e a promoção do interesse público. É este, afinal, o objetivo precípuo do gravíssimo instrumento. A caducidade não se presta ao propósito punitivista.


Em louvável esforço de se conceder maior segurança jurídica e previsibilidade para os investidores a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) editou a Resolução 6.063/2025, (RCR 5), na qual buscou regulamentar o procedimento de decretação de caducidade, traçando critérios um pouco mais objetivos para a aplicação das hipóteses previstas na lei, inclusive no caso de inadimplementos de penalidades[4].


Em suma podemos sintetizar o que foi dito no presente artigo com a afirmativa que a caducidade, por conta de suas drásticas consequências, para concedente, concessionário e coletividade, pressupõe mais do que a simples discricionariedade administrativa do Poder Concedente, devendo ser decretada somente no caso de falta gravíssima, quando a Administração não dispuser de outra alternativa, e demonstrada a eficiência da medida diante do interesse público envolvido.


Ademais, a caducidade não pode ser decretada apenas com base em inadimplemento de multas contratuais, sob pena de transformar a caducidade em medida coercitiva para pagamento de débitos, importando em violação aos princípios e garantias constitucionais da livre iniciativa e do acesso ao Judiciário.

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[1] Curso de direito administrativo, Forense, Rio de Janeiro, 2001, p. 435.


[2] AMS 1015926-57.2019.4.01.3400, Des. Federal Daniel Paes Ribeiro, TRF1 -6ª Turma, PJe 03/03/2023 e AC 1003009-40.2018.4.01.3400, Des. Federal João Batista Moreira, TRF1 – 6ª Turma, PJe 13/08/2021.


[3] Curso de Direito Administrativo, 12ª ed., p. 636


[4] Art. 9º Configurada a inexecução total ou parcial do contrato de concessão, identificada no processo regular de fiscalização e não sanada após regular comunicação, a Superintendência competente recomendará à Diretoria Colegiada a instauração de processo de caducidade quando: (...)

IV - a concessionária perder as condições econômicas, técnicas ou operacionais para manter a adequada prestação do serviço concedido, caracterizado quando:

a) o saldo devedor de multas aplicadas e com decisão administrativa definitiva superar 50% (cinquenta por cento) da receita bruta anual do exercício financeiro anterior;

b) houver reiterada oposição ao exercício da fiscalização ou não acatamento das determinações da ANTT;

c) restar demonstrada a reincidência em infrações já sancionadas que evidencie a inadequação da concessionária para prestação do serviço;

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Fonte: JOTA.INFO

Artigo de: Paola Aires Corrêa Lima

Procuradora do Distrito Federal, sócia do escritório Dutra e Associados, mestre em Direito do Estado pela UnB e especialista em Direito Público pelo IDP. Procuradora-geral do DF (2013-2018). Presidente da Comissão de Assuntos Regulatórios da OAB-DF


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