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Cultura é o coração da inovação pública

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    Secretaria Executiva
  • há 30 minutos
  • 4 min de leitura

Durante décadas, “inovação” e “administração pública” pareciam pertencer a universos distintos. De um lado, a burocracia, o formalismo, a previsibilidade. De outro, o experimental, o arriscado, o incerto. Mas essa separação já não se sustenta. Hoje, governos e instituições enxergam que inovar não é apenas digitalizar serviços ou incorporar tecnologias: é transformar a forma de pensar, decidir e agir. É, sobretudo, mudar a cultura.


No setor público, inovação não nasce de ferramentas; nasce de mentalidades. Depende mais de confiança, colaboração e abertura ao diálogo do que de softwares, metodologias ou laboratórios. Sem uma cultura que acolha o novo, todo investimento em modernização se torna pontual, isolado e facilmente reversível.


A cultura que sustenta a mudança


Por trás de qualquer inovação verdadeira existe uma infraestrutura invisível: a cultura institucional. É ela que define se uma ideia será incentivada ou desestimulada; se o erro será acompanhado de punição ou aprendizado; se o cidadão será reconhecido como parceiro ou percebido como problema. Construir uma cultura de inovação é um dos maiores desafios do Estado brasileiro e, ao mesmo tempo, sua oportunidade mais estratégica.


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Essa transformação exige algo que especialistas em negociação de conflitos complexos chamam de possibilismo. O conceito, desenvolvido por William Ury, cofundador do Programa de Negociação de Harvard, descreve a capacidade de enxergar caminhos mesmo quando o cenário parece travado. Ury atuou em processos de paz, crises diplomáticas e disputas sociais de enorme complexidade. Em todos eles, observou que o avanço surge quando alguém é capaz de ampliar o campo de visão e criar novas alternativas, mesmo dentro de restrições severas.


O possibilismo não é otimismo ingênuo, nem voluntarismo. Ele parte da realidade como ela é, reconhece os limites e, ainda assim, busca o possível. No setor público, essa mentalidade é essencial diante de problemas que não cabem em organogramas: judicialização crescente, conflitos federativos, tensões com a sociedade civil, impactos de eventos climáticos extremos e crises que exigem respostas rápidas em estruturas que foram desenhadas para a lentidão.


CPSI: inovação como prática institucional


Entre os avanços recentes, o Contrato Público de Soluções Inovadoras (CPSI) previsto no art. 20 e seguintes da Lei 10.973/2004 (Marco Legal da Inovação), que representa uma virada relevante. Em vez de descrever previamente o produto que pretende contratar, o Estado formula o problema e convida o mercado a propor soluções. O CPSI muda o papel do governo: ele deixa de ser o “formulador de respostas definitivas” e passa a ser o “curador de perguntas melhores”.


Essa inversão revela um amadurecimento cultural. A administração pública reconhece que não precisa — e não pode — saber tudo; precisa, sim, construir pontes. O CPSI aproxima governo, academia, sociedade civil, startups e empresas em torno de desafios reais. É um procedimento que torna visível aquilo que Ury descreve ao falar do “terceiro lado”: a comunidade ampliada que sustenta soluções complexas quando as partes centrais, sozinhas, não conseguem avançar.


Laboratórios e redes: onde a inovação floresce


A consolidação de laboratórios de inovação, como o GNova (ENAP), o LabHacker da Câmara, o coLAB-i do TCU e tantos outros espalhados pelo país, mostra que a inovação pública brasileira deixou de ser promessa e se tornou prática concreta. A esse ecossistema soma-se o LABORI, o Laboratório de Inovação da Advocacia-Geral da União, que tem desempenhado um papel fundamental na modernização da cultura institucional da AGU.


Sob a liderança de profissionais como Bruno Portela, o LABORI demonstra que mesmo uma instituição jurídica, marcada historicamente por formalismo, pode cultivar ambientes de escuta, colaboração e experimentação.


Esses espaços funcionam como zonas seguras de aprendizado, onde servidores podem testar hipóteses, redesenhar serviços com base na experiência de usuários reais e desenvolver soluções que dificilmente nasceriam dentro das estruturas hierárquicas tradicionais. Muitas inovações surgem de gestos simples: simplificar um formulário, testar uma linguagem mais clara, criar um fluxo mais humano de atendimento.


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Quando laboratórios se articulam em rede, o impacto se multiplica. O que nasce em uma secretaria municipal inspira um órgão federal; o que é testado em uma autarquia se torna referência para um estado inteiro. A inovação deixa de ser um evento e se torna processo.


Liderar para aprender


Nenhuma mudança cultural se sustenta sem liderança. No setor público, inovar exige um novo papel para gestores: menos controle e mais confiança; menos comando e mais facilitação; menos centralização e mais condições para que servidores possam experimentar e contribuir.


O líder inovador é aquele que reconhece a importância da escuta, distribui autonomia e sustenta tentativas — inclusive as que não dão certo. Essa liderança é profundamente possibilista: ela aposta que sempre existe um caminho, mesmo que ainda não visível.


Inovar é reconstruir confiança


Por trás da inovação pública existe um movimento silencioso de reconstrução de confiança. Confiança entre Estado e sociedade, entre equipes e gestores, entre estruturas e finalidades. A cultura da inovação floresce quando o objetivo não é apenas cumprir normas, mas gerar valor público. Quando o “sempre foi assim” dá lugar à pergunta “como poderia ser melhor?”.


O CPSI, os laboratórios, o LABORI e a rede colaborativa que se forma ao redor deles mostram que o Brasil tem energia inventiva e servidores capazes de produzir mudanças relevantes. O que falta, muitas vezes, é espaço institucional, segurança psicológica e liderança para que esse potencial se expresse plenamente.


Um presente que prepara o futuro


A inovação pública não será construída por decretos, plataformas ou metodologias isoladas. Será construída por pessoas: curiosas, colaborativas, generosas e dispostas a aprender. O futuro do Estado depende menos da tecnologia que adota e mais da cultura que sustenta.


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A lição final do possibilismo de Ury é simples, mas profunda: governar é negociar constantemente com o futuro. Exige humildade para aprender, coragem para mudar e disposição para imaginar alternativas mesmo quando o caminho parece estreito.


Inovar é transformar processos, mas é, sobretudo, transformar relações.

E talvez essa seja a verdadeira essência de governar no século 21:

fazer do diálogo o motor da mudança e da cultura o coração da inovação.


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Fonte: Jota.info

Artigo de: Andrea Maia

Sócia da Mediar360 - Resolução Inteligente de Conflitos. Conselheira da AB2L (Associação Brasileira de Lawtechs e Legaltechs). Vice-presidente de Mediação do CBMA (Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem)

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