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Deslealdade recursal: devido processo legal não autoriza 'vale tudo'

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    Secretaria Executiva
  • há 4 dias
  • 4 min de leitura

A fase recursal das licitações públicas tem se transformado em verdadeiro campo minado processual, não por complexidade da matéria, mas pela má-fé de quem deveria estar apenas exercendo o legítimo direito de defesa. O que se verifica, notadamente nas plataformas de licitações eletrônicas, é uma distorção completa do devido processo legal.


O devido processo legal não autoriza o ‘vale tudo’

Quando a Constituição garante o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa, no seu artigo 5º, incisos LIV e LV, respectivamente, ela estabelece um conjunto de regras metodológicas que precisam ser rigorosamente observadas. Não há espaço para um cheque em branco para fazer o que bem entender na fase recursal ou quebrar ritos.

O processo administrativo licitatório tem seus momentos próprios, seus prazos preclusivos, para garantia de previsibilidade e estabilidade das relações jurídicas para todos.

A Lei nº 14.133/2021 reforçou isso de forma cristalina no seu artigo 5º, trazendo a segurança jurídica como princípio licitatório, em  mesmo patamar do princípio da legalidade, de modo que, há que se seguir as “regras do jogo”.

Este é um problema reiterado: licitante perde posição em fase de propostas ou habilitação, não recorre de determinado ponto (seja por estratégia, seja por esquecimento), e quando outra licitante recorre de algo completamente diferente, essa primeira licitante desleal vem nas contrarrazões trazendo matéria nova, que ela própria jamais havia questionado, assunto precluso, portanto.

É o auge da deslealdade processual. A licitante usa o espaço das contrarrazões ao recurso alheio para atacar a recorrida com temas que nem foram objeto do recurso principal. E qual o resultado prático? A recorrida fica sem chance de defesa no sistema, pois no Compras.gov.br (e em outras plataformas) não existe espaço para “contrarrazões às contrarrazões”. O sistema não possui campos adicionais para inclusive de nova peça processual nesse estágio.

Fica evidente que isso contamina a integridade do processo eletrônico.

A Lei 14.133 foi idealizada para dar transparência, celeridade e segurança, não para deixar margem a armadilhas procedimentais que transformam o processo em uma fonte de má-fé e potenciais litígios administrativos e judiciais.


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Impugnação tardia e rotulada como recurso

Outro problema sério: licitantes utilizando o recurso do artigo 165 da Lei nº 14.133 para, na prática, fazer impugnação ao edital fora do prazo do artigo 164.

Basicamente, o edital estabeleceu determinados critérios de habilitação ou julgamento, mas aquela licitante não impugnou no prazo próprio (três dias úteis antes da sessão), então, a licitante vem na fase de propostas, após sua inabilitação ou desclassificação de proposta ou mesmo situação inversa, de outra licitante, pretender impor um novo critério não foi sequer objeto de impugnação, se modo que o “recurso” acaba sendo um pedido alteração das regras editalícias, para inclusão de critério novo, seja para restringir, seja para flexibilizar algo.

Isso não é recurso, mas uma impugnação extemporânea quem como tal, sequer comporta conhecimento pela autoridade competente. O artigo 165 é claro nas suas hipóteses recursais, incluindo aquelas de matérias de julgamento de habilitação ou inabilitação ou assuntos de julgamento de propostas. O agente público deve ter pronta resposta no sentido de que não se pode mudar edital em algo que a licitante deixou de impugnar previamente, aliás, dinda mais dando concordância com o edital na tela específica do sistema de licitação.

Aceitar esse tipo de manobra é premiar a desídia e punir quem se preparou adequadamente para a licitação dentro dos prazos legais e, de outro lado, é uma violação gravíssima também à garantia do devido processo legal e ao princípio da legalidade dos atos administrativos.


O problema sistêmico

As plataformas eletrônicas foram idealizadas para seguir um fluxo lógico e sequencial. Fase de impugnação, fase de esclarecimentos, fase de propostas, fase de habilitação, fase recursal. Cada uma com seus prazos, cada uma com suas funcionalidades específicas.

Quando se permite que as empresas subvertam essa ordem. inovando em matéria nas contrarrazões, trazendo impugnações tardias disfarçadas de recurso, atacando questões preclusas, o conteúdo processual no sistema perde integridade, havendo reflexo de perda de eficiência, competitividade, celeridade e interesse público.


O papel da autoridade competente

Agentes de contratação e autoridades superiores precisam ser criteriosos na análise de conhecimento dos recursos, como o juízo de admissibilidade. Pode parecer formalismo excessivo, mas não é, pois é o modo de proceder formalmente e legalmente correto para manter íntegro o processo licitatório.


Conclusão

A deslealdade recursal não é uma questão menor ou apenas procedimental. Ela corrói a credibilidade do sistema de contratações públicas, afasta empresas sérias que não querem participar de verdadeiros jogos de má-fé processual, e encarece o processo licitatório com discussões infindáveis sobre questões que deveriam estar superadas.

Está na hora de tratar o devido processo legal nas licitações com a seriedade que ele merece, sem permitir “espertezas”, porque aquele que pretende “participar do jogo” deve ter respeito pelas regras previamente estabelecidas. ____________________________________

Artigo/Opinião de: Jonas Lima

Advogado, sócio de Jonas Lima Sociedade de Advocacia, ex-assessor da Presidência da República, especialista em Direito Público pelo IDP e Compliance Regulatório pela Universidade da Pensilvânia e autor de cinco livros, incluindo "Licitação Pública Internacional no Brasil".

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