Guilherme Carvalho: Esclarecimentos pontuais sobre a Portaria SE/CGU nÂș 226
- Secretaria Executiva
- 15 de set.
- 4 min de leitura
Especialmente com o advento da Lei nÂș 12.846/2013 â fomentada em contexto e momento histĂłricos de extremada corrupção â, programas de integridade e polĂticas de compliance passaram a ser regra no cenĂĄrio nacional, designadamente no Ăąmbito das contrataçÔes pĂșblicas. Em certa medida, existe, por vezes, uma inclinação fanĂĄtica pela terminologia destes vocĂĄbulos intuitivamente atrativos.
Ecoam bem todas as vigorosas declaraçÔes (que atĂ© convergem com o senso comum e, nem sempre, sĂŁo necessariamente jurĂdicas) de combate Ă corrupção e polĂticas de governança. Alheias ou nĂŁo a qualquer prestabilidade prĂĄtica, Ă© o bastante que tais jargĂ”es encontrem repouso em textos normativos.
No Ăąmbito da iniciativa privada, as empresas jĂĄ deixaram de enfrentar ESG como polĂtica ativista, inserindo-a em seu planejamento, cuja temĂĄtica passou a ser rotina nas reuniĂ”es de conselhos. Logo, em linguagem contĂĄbil, os dispĂȘndios econĂŽmicos com aludida agenda migram, no sistema de âpartilhas dobradasâ, do campo dos custos para o lado dos investimentos. Governança, programas de integridade nĂŁo sĂŁo, portanto, temas recentes.
Se a abstratividade e a generalidade da lei (no seu mais estrito sentido) nĂŁo contemplam, por si sĂłs, a proibição de prĂĄticas corruptivas, hĂĄ um sinal bastante claro â e alarmante â de que, para a implementação de qualquer medida satisfatoriamente combativa aos lesivos atos que se pretendem evitar, outras normas infralegais devem ser editadas. E aqui â com perdĂŁo Ă s antecipadas conclusĂ”es â reside um grande entrave, por quĂȘ?
Primeiramente, porque paira a desconfiança de que as mais variadas leis sĂŁo precĂĄrias, rasas ou incompletas, carecendo de decretos que lhes deem significado ou conteĂșdo e, mais ainda, que sejam regulamentadas secundariamente, como sĂłi ocorrer com as terciĂĄrias (instruçÔes normativas, portarias, dentre outros) normas editadas por um ĂłrgĂŁo da administração pĂșblica.
Eis o exemplo da recentĂssima Portaria SE/CGU NÂș 226, de 9 de setembro de 2025, oriunda da Controladoria-Geral da UniĂŁo, que estabelece os procedimentos e a metodologia de avaliação de programas de integridade de que trata o Decreto nÂș 12.304, de 9 de dezembro de 2024.
A extensĂŁo da referida portaria noticia, decerto, uma precaução quanto a polĂticas de integridade (nomenclatura mencionada em mais de uma centena oportunidades ao longo de seu corpo), talvez no desĂgnio de promover prĂĄticas de governança que tenham o condĂŁo de proteger o erĂĄrio, excluindo do ambiente das contrataçÔes pĂșblicas medidas e exercitaçÔes aĂ©ticas, na acepção mais ampla que possa ser conferida ao termo. Mas Ă© imprescindĂvel outra portaria? Por que a UniĂŁo se vale de tantos normas infralegais que, muitas vezes, exorbitam da lei?
O detalhamento a que se destina a Portaria SE/CGU NÂș 226 Ă©, visivelmente, mais ambicioso do que o jĂĄ delongado Decreto nÂș 12.304/2024, sendo que todas estas normas nĂŁo perpassam pelo desejado â e constitucionalmente previsĂvel â processo legislativo, em que o salutar debate plural aglomera distintas opiniĂ”es. SĂŁo atos unilaterais, alterĂĄveis ao sabor de quem os edita.
NĂŁo Ă© incogitĂĄvel conjecturar que o excesso de minudĂȘncias da referida portaria possa ocasionar mais disparidade de acepçÔes do que, essencialmente, uma interpretativa linha singular, cujas balizas se destinem a aclarar aquilo que, das abstratas leis, nĂŁo seja possĂvel deduzir. MĂ©todo para critĂ©rios de desempate com base em programas de integridade Ă© apenas um exemplo.

Eixos e impasses
A Portaria SE/CGU NÂș 226 Ă© dividida, para alĂ©m das consideraçÔes gerais e disposiçÔes finais, em cinco grandes capĂtulos: CapĂtulo I â Dos parĂąmetros de avaliação de programa de integridade; CapĂtulo II â Da avaliação do programa de integridade nas contrataçÔes de obras, serviços e fornecimentos de grande vulto; CapĂtulo III â Da avaliação de programa de integridade nas hipĂłteses de desempate entre propostas; CapĂtulo IV â Da avaliação de programa de integridade nos processos de reabilitação.
Muito embora a divisĂŁo prometida pela aludida portaria demonstre que hĂĄ uma multiplicidade de temas abordados, o artigo 1Âș Ă© suficientemente elucidativo ao prever que ela estabelece o procedimento e a metodologia de avaliação de programas de integridade de que trata do Decreto nÂș 12.304, de 9 de dezembro de 2024, nas hipĂłteses de: I â contrataçÔes de obras, serviços e fornecimentos de grande vulto; II â desempate entre duas ou mais propostas; e III â reabilitação de licitante ou contratado.
Ou seja, a portaria estĂĄ alicerçada, prioritariamente, em trĂȘs eixos. Por outro lado, nela tambĂ©m residem outros significativos impasses, sendo relevante mencionar a tendenciosa concentração restrita Ă s contrataçÔes de grande vulto. Se assim o Ă©, tudo leva a crer que qualquer contratação pĂșblica â seja ela de obras, serviços e fornecimentos â que nĂŁo seja vultosa encontra-se desabrigada de um ritmo mais exemplar de programas de integridade ou, minimamente, sem o mesmo rigor.
De tal modo, nĂŁo sendo monetariamente significativas (vultosas), as restriçÔes podem ser mais suavizadas? Parece-nos que nĂŁo, sobretudo porque a grande maioria das contrataçÔes pĂșblicas no Brasil nĂŁo sĂŁo necessariamente de grande impacto financeiro.
No mesmo sentido, nĂŁo se deve relevar o fato de que a Portaria SE/CGU NÂș 226 estĂĄ limitada aos ĂłrgĂŁos e entidades da administração pĂșblica direta, autĂĄrquica e fundacional. Ocorre que, embora haja essa contenção â decorrente da organização administrativa brasileira (nos moldes do Decreto-Lei nÂș 200/67) â quanto Ă nĂŁo imperativa aplicabilidade aos demais entes federativos, a CGU cuidou de regulamentar normas da Lei nÂș 14.133/2021 que sĂŁo, segundo seus particulares critĂ©rios, normas gerais de licitação.
HĂĄ, decerto, inĂșmeros outros debates que devem ser travados sobre a recente Portaria SE/CGU NÂș 226, especialmente na parte da aplicação de sançÔes nĂŁo contempladas em lei. PorĂ©m, esses sĂŁo, tĂŁo apenas, pontuais esclarecimentos e algumas reflexĂ”es iniciais sobre a referida portaria, contemplando amplos espaços para novas e futuras discussĂ”es. _________________________________________
Artigo de:
Guilherme Carvalho
Doutor em Direito Administrativo, mestre em Direito e polĂticas pĂșblicas, ex-procurador do estado do AmapĂĄ, bacharel em administração e sĂłcio fundador do escritĂłrio Guilherme Carvalho & Advogados Associados e presidente da Associação Brasileira de Direito Administrativo e EconĂŽmico (Abradade).