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Judiciário pode determinar que a Administração realize concurso público?

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    Secretaria Executiva
  • há 11 horas
  • 4 min de leitura

Pode o Judiciário determinar que a Administração realize concurso, como forma de suprir eventual déficit de pessoal no serviço público? A questão é complexa, mas recente decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) trouxe algumas diretrizes sobre o tema, que já têm balizado a atuação do Judiciário. Em julho de 2023, o STF julgou o Recurso Extraordinário nº 684.612, paradigma do Tema nº 698 da Repercussão Geral, fixando a seguinte tese:

  1. A intervenção do Poder Judiciário em políticas públicas voltadas à realização de direitos fundamentais, em caso de ausência ou deficiência grave do serviço, não viola o princípio da separação dos poderes.

  2. A decisão judicial, como regra, em lugar de determinar medidas pontuais, deve apontar as finalidades a serem alcançadas e determinar à Administração Pública que apresente um plano e/ou os meios adequados para alcançar o resultado.

  3. No caso de serviços de saúde, o déficit de profissionais pode ser suprido por concurso público ou, por exemplo, pelo remanejamento de recursos humanos e pela contratação de organizações sociais (OS) e organizações da sociedade civil de interesse público (OSCIP).

De um lado, o julgado admite a atuação judicial em políticas públicas, mas, de outro, limita tal possibilidade aos casos de “ausência ou deficiência grave do serviço”. Não obstante a “deficiência grave” possa ser entendida como conceito jurídico indeterminado, a tese firmada em repercussão geral promove uma espécie de freio de arrumação em decisões mais ativistas pautadas, por vezes de maneira exclusiva, em princípios constitucionais.

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Além disso, a decisão impõe diretrizes para a ação do Poder Judiciário em casos semelhantes, destacando que, em vez de determinar medidas pontuais e específicas, as cortes devem indicar as finalidades a serem alcançadas e determinar que a Administração apresente um plano apto a alcançar esses objetivos.

Em terceiro lugar, a tese firmada estabelece que a carência de profissionais nas atividades administrativas pode ser suprida não apenas por concurso público, mas também por outros meios, como remanejamento de pessoal e contratos de gestão com organizações sociais.

Embora o caso concreto tratasse especificamente de serviços de saúde, a lógica do precedente tem sido aplicada para a atuação do Poder Judiciário nas mais diversas áreas do Estado, em especial em ações coletivas que envolvem pedidos de condenação do poder público à realização de concursos públicos para o provimento de cargos e empregos públicos de diversas especialidades.

A título de exemplo, no RE nº 1.346.351/RJ, a Corte deu provimento a recurso extraordinário interposto pelo Estado do Rio de Janeiro em face de acórdão do tribunal local que determinava a realização de concurso público no âmbito da autarquia estadual de tecnologia, para determinar que o “comando judicial se adstrinja a apontar as finalidades a serem alcançadas, instando a Administração Pública a apresentar um plano e/ou os meios adequados para solucionar o problema detectado, sem especificar as medidas correcionais específicas e pontuais a serem adotadas pelos entes públicos recorrentes”.

De modo similar, no ARE nº 1.492.757 AgR/MG, o STF também deu provimento a agravo em recurso extraordinário interposto pelo Estado de Minas Gerais em matéria ambiental para reconhecer que “ao determinar a realização de medidas específicas e pontuais à parte recorrente, as instâncias de origem procederam em desconformidade com o item 2 do precedente do Tema 698 da repercussão geral”.

Decisões semelhantes foram proferidas, ainda, em outros julgados, tais como: RE 1464932 AGR / RS, Rel. Min. Cristiano Zanin, DJe 19/09/2024; ARE 1.231.044/PR, Rel. Min. Cristiano Zanin, DJe 31/10/2023; ARE 1.498.969/GO, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJe 12/8/2024; e ARE 1.503.191/SE, Rel. Min. Alexandre de Moraes, DJe 1°/8/2024.

Os precedentes mostram uma tendência de atuação menos diretiva, mas igualmente vigilante, do Supremo Tribunal Federal em matéria de controle judicial de políticas públicas e de gerenciamento de pessoal na administração pública brasileira.

É importante reconhecer a importância inegável dos servidores e empregados públicos na realização das missões constitucionais do Estado brasileiro. Contudo, a imposição casuística, pelo Poder Judiciário, da realização de concursos para suprir déficits pontuais de pessoal em determinado órgão ou entidade sem levar em consideração o cenário mais amplo da administração pode gerar efeitos sistêmicos de longo prazo que conduzam ao incremento da irracionalidade na máquina pública. Por exemplo, ao determinar a realização de concurso para professor de determinada disciplina em determinada escola pública, o Judiciário pode acabar desconsiderando uma série de fatores mais amplos, como: o fato de que a carência poderia ser suprida pelo remanejamento de professores de outra escola; que o Poder Público pretende modificar o perfil daquela unidade escolar em específico; que a carência decorre de afastamentos transitórios de professores efetivos a serem supridos por outros meios (inclusive por contratações temporárias); ou, ainda, que há carências mais abrangentes na rede pública como um todo, que precisam ser enfrentadas e supridas de maneira mais sistemática.

Por outro lado, ao optar pelo estabelecimento de finalidades a serem alcançadas e pela determinação de que a Administração apresente um plano de ação, dotado de meios adequados para atingi-las, o Judiciário passa a atuar de maneira mais estruturante, possibilitando – e impondo – que o próprio Executivo reanalise sua própria arquitetura e organize a sua atuação a partir de indicadores mais robustos de planejamento, execução e monitoramento de políticas públicas. Essa atuação estruturante apresenta uma série de desafios, inclusive a baixa capacidade estatal de planejamento em grande parte dos entes federativos brasileiros, mas, se bem executada, pode representar um passo importante na construção de políticas públicas mais efetivas para seus destinatários finais. ____________________________________________ Fonte: jota.info Artigo de: Anna Carolina Migueis Pereira

Doutora e mestre em Direito Público pela UERJ. Professora convidada de Programas de Pós-Graduação Lato Sensu. Procuradora do Estado do Rio de Janeiro


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