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Licitação e fundamentação por referência: análise do Tema 1.306/STJ

  • Foto do escritor: Secretaria Executiva
    Secretaria Executiva
  • 3 de set.
  • 3 min de leitura

Em mais de uma oportunidade, escrevemos sobre a utilização da fundamentação per relationem em matéria de licitações e contratos, usualmente na defesa da tese de que a autoridade dotada de poder decisório pode se valer do conteúdo constante em decisões anteriores.


A matéria não sombreia qualquer inovação, sobretudo porque expressamente prevista em norma jurídica de validade nacional, Lei nº 9.784/1999, que trata do processo administrativo: infalivelmente, no âmbito federal, como também nos demais entes federativos que, por decréscimo, não contemplem legislação no mesmo sentido, passando a ser, sob tal espeque, lei nacional.


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Ocorre que, a despeito da inconteste (e literal) previsão normativa contida no § 1º do artigo 50, segundo a qual “a motivação deve ser explícita, clara e congruente, podendo consistir declaração de concordância com os fundamentos dos anteriores pareceres, informações, decisões ou propostas, que, neste caso, serão parte integrante do ato”, a questão merece, por razoáveis motivos, ser revisitada, agora à luz do recentíssimo Tema 1.306, STJ.


O Tema Repetitivo 1.306 teve por questão submetida a julgamento a seguinte proposta:


“Definir se a fundamentação por referência (per relationem ou por remissão) – na qual são reproduzidas as motivações contidas em decisão judicial anterior como razões de decidir – resulta na nulidade do ato decisório, à luz do disposto nos artigos 489, § 1º, e 1.022, parágrafo único, inciso II, do CPC de 2015.”

O Superior Tribunal de Justiça, STJ, apreciando a matéria, pontuou como destaque:


“1) A técnica da fundamentação por referência (per relationem) é permitida desde que o julgador, ao reproduzir trechos de decisão anterior, documento e/ou parecer como razões de decidir, enfrente, ainda que de forma sucinta, as novas questões relevantes para o julgamento do processo, dispensada a análise pormenorizada de cada uma das alegações ou provas.
2) O § 3º do artigo 1.021, do CPC não impede a reprodução dos fundamentos da decisão agravada como razões de decidir pela negativa de provimento de agravo interno quando a parte deixa de apresentar argumento novo para ser apreciado pelo colegiado.”
Embora a questão jurídica levada à consideração do STJ verse sobre Direito Processual Civil — fundamento, que, teoricamente, não comprometeria o processo administrativo inerente às contratações públicas —, é necessário divisar algumas indagações sobre possíveis interpretações que possam decorrer do julgamento conferido pela Corte Especial.

Inicialmente, importa destacar que, nada obstante o fato de as decisões administrativas não transitarem, habitualmente, pelo Poder Judiciário, o princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional (artigo 5º, XXXV, CF/1988) não inibe a sindicância processual de um ou outro ato praticado na seara administrativa. Dito de outro modo, a parte prejudicada poderá questionar a validade do ato decisório, tomado na esfera administrativa, já no Judiciário.


Para além da previsão constitucional, o artigo 15 do Código de Processo Civil (CPC) prevê que “na ausência de normas que regulem processos eleitorais, trabalhistas ou administrativos, as disposições deste Código lhes serão aplicadas supletiva e subsidiariamente”. Logo, assim como as normas do CPC são aplicáveis aos processos administrativos, as conformidades jurisprudenciais sobre suas normas também devem (podem) ser observadas na condução dos mesmíssimos processos administrativos.


Esclarecidos tais pontos, subsiste o questionamento sobre a possível nulidade de um ato administrativo de conteúdo decisório, cuja fundamentação se limite aos motivos de decisão alheia e anterior, sem enfrentamento, ainda que de forma sucinta, sobre novas questões relevantes para o julgamento do processo.


Trazendo o atual entendimento alcançado pelo STJ para os processos administrativos no âmbito das contratações públicas, parece ser plausível sustentar que, ao apreciar Recurso Administrativo (artigo 165, I) ou Pedido de Reconsideração (artigo 165, II), a autoridade prolatora da decisão, caso não enfrente, ainda que de forma abreviada, os novos argumentos suscitados pela parte recorrente, poderá produzir ato nulo e, se não mais cabível qualquer pleito no âmbito administrativo, passa a ser questionável judicialmente, tendo-se, por exemplo, a impetração do Mandado de Segurança (aqui, aqui e aqui).



Em parciais conclusões, o novo entendimento do STJ provoca uma nova reflexão apreciativa sobre os Recursos e Pedidos de Reconsideração manejados nos mais diversos atos decorrentes da Lei nº 14.133/2021 a que faz referência o artigo 165 desta mesma lei.


Inevitavelmente, os atos administrativos de conteúdo decisórios não podem prescindir de uma satisfatória e contundente fundamentação. A motivação per relationem ainda comporta bons fundamentos!


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Artigo e opinião de:

Guilherme Carvalho, doutor em Direito Administrativo, mestre em Direito e políticas públicas, ex-procurador do estado do Amapá, bacharel em administração e sócio fundador do escritório Guilherme Carvalho & Advogados Associados e presidente da Associação Brasileira de Direito Administrativo e Econômico (Abradade).

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