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STN acerta o passo: despesas com pessoal de OSCs deixam de compor limite da LRF

  • Foto do escritor: Secretaria Executiva
    Secretaria Executiva
  • 20 de mai.
  • 3 min de leitura

A recente publicação da versão 5 do 14ª edição do Manual de Demonstrativos Fiscais (MDF), em abril de 2025, marca uma inflexão importante no entendimento da Secretaria do Tesouro Nacional (STN) sobre a forma de contabilização das despesas com pessoal das organizações da sociedade civil que executam parcerias com o poder público. Trata-se de uma mudança técnica e conceitual que, mais do que resolver uma distorção contábil, corrige uma injustiça histórica contra o terceiro setor.


O ponto central da alteração está na revisão dos itens “04.01.02.01 — Despesa com Pessoal” e “04.01.05.01 — Instruções de Preenchimento”, a partir do Parecer SEI nº 3974/2024/MF, da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN). O parecer reconhece, com precisão, que o disposto no § 1º do artigo 18 da LRF não se aplica às parcerias com entidades do terceiro setor que exercem atividades de interesse público, salvo quando comprovada fraude ou desvio de finalidade.


Com isso, foi afastada, enfim, a equivocada compreensão de que as despesas com pessoal realizadas por organizações sociais e demais entidades da sociedade civil deveriam ser computadas como despesas de pessoal do ente federado parceiro, para fins de verificação do limite da LRF. Essa compreensão vinha sendo reiterada pelas edições anteriores do MDF, a despeito do Decreto Legislativo nº 79/2022, da jurisprudência do STF e da manifesta intenção do legislador.





Terceirização disfarçada de mão-de-obra


Ao longo dos últimos anos, a STN sustentava que, sempre que a entidade do terceiro setor gerenciasse estruturas do poder público ou executasse atividades financiadas majoritariamente com recursos orçamentários, haveria uma terceirização disfarçada de mão-de-obra. Essa premissa, contudo, ignorava as peculiaridades jurídicas, institucionais e operacionais das parcerias celebradas com organizações da sociedade civil, conforme reguladas pelo marco jurídico próprio (Lei 13.019/14 e Lei 9.637/98).


Mais grave: essa interpretação indevidamente alargada colocava em risco a sustentação das parcerias, gerando insegurança jurídica para gestores e ameaçando a continuidade de serviços essenciais à população, notadamente nas áreas da saúde, educação e assistência social. A aplicação automática dos limites da LRF, sem levar em conta a natureza da relação jurídica e a finalidade das parcerias, distorcia o controle fiscal e punia justamente os entes que adotavam soluções eficientes de gestão pública.


A edição atual do MDF, portanto, representa uma virada de chave. Acompanhando o parecer da PGFN, a STN passa a reconhecer que as parcerias com entidades do terceiro setor não são formas disfarçadas de contratação de pessoal. São, ao contrário, instrumentos legais de cooperação para a realização de atividades de interesse público, com regras próprias de seleção, execução e prestação de contas.


Importa registrar que esse entendimento foi objeto de diversas manifestações doutrinárias, técnicas e institucionais. Em 2019, em artigo publicado nesta ConJur já se sustentava a tese de que o cômputo das despesas de pessoal das organizações sociais violava o artigo 18 da LRF.


Respeito às especificidades do terceiro setor


No ano passado, a nota técnica elaborada pela Comissão de Direito do Terceiro Setor da OAB-SP, em parceria com a mesma comissão da OAB-PR, foi apresentada pela Associação Brasileira de Captadores de Recursos (ABCR), que levou a questão à Câmara de Segurança Jurídica dos Negócios da AGU. A partir daí, foram conduzidas tratativas com a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional e com a própria STN, culminando na revisão oficial do entendimento.


Agora, a revisão do MDF consolida o entendimento técnico e juridicamente adequado. A decisão merece aplausos. Reconhece-se, inclusive, o papel assertivo da PGFN e da AGU na interpretação do sistema jurídico com base na finalidade das normas e no respeito às especificidades do terceiro setor.


O efeito prático é significativo: estados e municípios deixam de computar como despesa própria os valores repassados às organizações parceiras a título de remuneração de suas equipes de trabalho. Com isso, ganham fôlego fiscal, estabilidade normativa e, sobretudo, incentivo para a celebração de parcerias fundadas na legalidade, na eficiência e na transparência.


Mais do que uma mudança contábil, trata-se de um reconhecimento institucional do valor das organizações da sociedade civil como parceiras do Estado na produção de bens e serviços de interesse público. É o direito do terceiro setor dando um passo à frente na direção de um modelo de gestão mais moderno, colaborativo e justo.


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Opinião de:


Fernando Mânica

é advogado, especialista em parcerias no setor de saúde, doutor em Direito do Estado pela USP, procurador do Estado, presidente da Comissão de Direito do Terceiro Setor da OAB-PR e autor de diversos livros, dentre os quais ‘‘Fundamentos de Direito do Terceiro Setor’ (2022) e ‘Instituições do Terceiro Setor’ (2022).


Laís de Figueirêdo Lopes

é advogada, sócia de Szazi, Bechara, Storto, Reicher e Figueirêdo Lopes Advogados (SBSA Advogados), doutoranda em Direito Público pela Universidade de Coimbra, em Portugal e presidente da Comissão de Terceiro Setor da OAB/SP.

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